Prefácio por Paulo Coelho

 

Já li incontáveis livros nos quais o Caminho de Santiago é o tema principal. Creio que todos os trabalhos sobre esta peregrinação têm um grande mérito de compartilhar a experiência vivida, e estimular os leitores a correrem o risco de também colocar seus pés e suas esperanças na rota que cruza a Espanha e nos leva até a Galícia.

O que me surpreende no livro de Theo, entretanto, é a capacidade de discorrer sobre a renovação interior do ser humano. Seu livro me fez lembrar uma história, que já não me recordo onde li, mas que transcrevo a seguir.

No deserto, as frutas eram raras. Deus chamou um dos seus profetas e disse:

_ Cada pessoa só pode comer uma fruta por dia. 

O  costume  foi obedecido por gerações, e a ecologia do local foi preservada. Como as frutas restantes davam sementes, outras árvores surgiram. Em breve, toda aquela região transformou-se num solo fértil, invejado pelas outras cidades.

O povo, porém, continuava comendo uma fruta por dia - fiel à recomendação que um antigo profeta tinha passado aos seus ancestrais. Além do mais, não deixava que os habitantes das outras aldeias se aproveitassem da farta colheita que acontecia todos os anos.

O resultado era um só: as frutas apodreciam no chão.

Deus chamou um novo profeta e disse:

_ Deixe que comam as frutas que queiram. E peça que dividam a fartura com seus vizinhos.

O profeta chegou na cidade com a nova mensagem. Mas terminou sendo apedrejado - já que o costume estava arraigado no coração e na mente de cada um dos habitantes.

Com o tempo, os jovens da aldeia começaram a questionar aquele costume bárbaro. Mas, como a tradição dos mais velhos era intocável, eles resolveram afastar-se da religião. Assim, podiam comer quantas frutas quisessem, e dar o restante para os que necessitavam de alimento.

Na igreja local, só ficaram os que se achavam santos. Mas que, na verdade, eram pessoas incapazes de enxergar que o mundo se transforma, e que nós devemos nos transformar com ele.

A grande tônica do livro de Theo é justamente a capacidade de renovar os costumes arraigados e cristalizados pela falta de ousadia, dar um passo adiante, enfrentar-se com certas convenções, ter a humildade para aceitar outras, e permitir que a história dos frutos narrada acima tenha um final diferente. Ou seja, tornar possível a ressurreição da inocência. Espero que o leitor, ao percorrer com ele este caminho, termine sendo tocado por esta renovação.


Paulo Coelho

Julho 2000